O Governo de Luís Montenegro quer avançar com uma revisão profunda do Código do Trabalho, que poderá alterar mais de uma centena de artigos e mexer em temas centrais como contratos, férias, teletrabalho, banco de horas e licenças parentais. O pacote laboral ainda está a ser discutido com os parceiros sociais, mas já motivou a convocação de uma greve geral pelas centrais sindicais CGTP-IN e UGT, marcada para 11 de dezembro.
O primeiro-ministro classificou a paralisação como “incompreensível”, enquanto a ministra do Trabalho, Maria do Rosário Palma Ramalho, defendeu que o anúncio é “extemporâneo” e afastou a hipótese de retirar toda a proposta. Em entrevista à Renascença, a ministra admitiu cedências e prometeu uma legislação “mais amiga do trabalho”, garantindo que algumas alterações serão ajustadas antes de chegarem ao Parlamento.
Contratos a prazo e despedimentos: principais alterações
O anteprojeto propõe que os contratos a termo certo passem a ter uma duração mínima de um ano, em vez dos atuais seis meses, podendo ser renovados até três vezes e durar até três anos no total. No caso dos contratos a termo incerto, o limite máximo sobe de quatro para cinco anos.
O Executivo quer também permitir contratos a termo nos primeiros dois anos de qualquer empresa, independentemente do número de trabalhadores. A ministra do Trabalho argumenta que estas mudanças visam “diminuir a precariedade”.
Outra das medidas mais polémicas é a simplificação dos despedimentos por justa causa, que elimina a obrigatoriedade de apresentação de provas e audição de testemunhas nos processos disciplinares. Esta alteração aplica-se a todas as micro, pequenas e médias empresas, que representam 99% do tecido empresarial português.
Regresso do banco de horas e novas regras no teletrabalho
O Governo quer reintroduzir o banco de horas individual, permitindo que o horário de trabalho possa ser alargado até duas horas por dia, com um máximo de 50 horas semanais e 150 horas anuais, mediante acordo entre empregador e trabalhador.
No que toca ao teletrabalho, será mais fácil às empresas recusarem pedidos dos trabalhadores. A proposta revoga ainda a norma que impedia sanções a quem recusasse o regime remoto, e estende as regras do teletrabalho a outras formas de trabalho à distância.
Férias, licenças e “compra” de dias de folga
Entre as medidas mais mediáticas está a possibilidade de os trabalhadores poderem “comprar” dois dias de férias por ano. Na prática, trata-se de duas faltas justificadas e não remuneradas, que não afetam o direito a subsídios. Estes dias podem ser tirados antes ou depois das férias e só podem ser recusados pelo empregador em casos de necessidade imperiosa de funcionamento da empresa.
Outra mudança relevante é o alargamento da licença parental, que poderá atingir os seis meses se os progenitores optarem por um regime partilhado. O Governo quer também que o pai goze obrigatoriamente 14 dias seguidos de licença após o nascimento, em vez dos atuais sete.
O subsídio parental mantém-se a 100% nos primeiros 120 dias, mas desce para 90% nos casos de licença partilhada de 150 dias. Já na licença de 180 dias, o pagamento passará a 100% se o período adicional de 60 dias for dividido em partes iguais entre os dois pais.
Amamentação e luto gestacional: regras mais rígidas
O Executivo propõe limitar a dispensa para amamentação a dois anos e exigir um atestado médico renovável a cada seis meses. Atualmente, a lei permite o benefício “enquanto durar a amamentação”, sem prazo máximo.
Já no luto gestacional, o Governo quer eliminar os três dias consecutivos de falta paga a 100% após a perda gestacional, mantendo apenas o direito à licença por interrupção da gravidez, entre 14 e 30 dias. O outro progenitor poderá faltar até 15 dias ao abrigo da assistência à família, mas sem remuneração.
Jornadas contínuas e novos serviços mínimos
A ministra do Trabalho anunciou também que o Governo pondera introduzir a jornada contínua para pais, mães e até avós, permitindo uma melhor conciliação entre trabalho e vida familiar. A medida poderá permitir saídas mais cedo mediante um intervalo reduzido para almoço, à semelhança do regime já existente na Função Pública.
No capítulo das greves, o Executivo quer alargar os serviços mínimos a mais setores, incluindo creches, lares, abastecimento alimentar e segurança privada, alegando que se trata de um equilíbrio entre o direito à greve e outros direitos fundamentais, como a saúde ou a circulação.
Outras mudanças em destaque
O pacote laboral prevê ainda o fim do período experimental de 180 dias para trabalhadores em primeiro emprego, alterações às regras de outsourcing, uma nova abordagem ao trabalho flexível e à recusa de horários ao fim de semana por pais com filhos menores.
A proposta inclui também a redução das horas de formação obrigatória para 20 horas anuais nas microempresas, a atualização das quotas de emprego para pessoas com deficiência (abrangendo quem tenha incapacidade igual ou superior a 33%) e novas regras para trabalhadores independentes, que passam a ser considerados economicamente dependentes apenas quando 80% do rendimento vier de um único cliente.
No caso das plataformas digitais, o Governo quer aplicar a diretiva europeia que reforça a proteção de dados e os direitos dos trabalhadores, exigindo que a relação de trabalho seja comprovada por dois critérios: atividade regular e dependência económica.
Uma reforma com impacto alargado
O anteprojeto “Trabalho XXI” pretende adaptar o Código do Trabalho às novas realidades laborais e ao equilíbrio entre empresas e trabalhadores. A discussão no Parlamento ainda não tem data marcada, mas a dimensão das mudanças promete marcar o debate político e sindical das próximas semanas.
















